Quando observamos a história recente da música popular, deparamo-nos muitas vezes com fenómenos meteóricos, os chamados one-hit wonders. Ou porque são cirurgicamente fabricados com esse objectivo ou, mais frequentemente, porque grandes multinacionais da música assim o desejam, obrigando distribidores e media a impingir esse produto ininterruptamente, são temas que isoladamente atacam de forma impiedosa as tabelas de vendas e inundam as ondas hertzianas até à náusea - pobre daquele que ouse sequer ligar o botão do rádio ou da televisão sem saber que estação está sintonizada - apenas para, umas semanas depois, se evaporarem tão rapidamente como surgiram. Nalguns casos, os autores aparecem e desaparecem tão depressa como a sua música, noutros vislumbra-se claramente um golpe de sorte do infeliz artista que após o big bang se arrasta moribundo, de forma clownesca, sem perceber que um raio não cai duas vezes no mesmo microfone.
Citando dois exemplos coincidentemente do ano de 1993, quem não se lembra (infelizmente, a memória só se perde para as coisas que realmente importam) de What’s Up? daquelas criaturas com uns chapéus gigantes e disformes a esconder cabelos com ar de quem não vê shampoo desde que Copérnico descobriu a teoria heliocêntrica, as 4-Non Blondes (perdão, os 4-Non Blondes, pois o colectivo inclui um senhor de apelido Rocha - chegará a portugalidade também aos confins do aberrante?); ou a Macarena, o êxito que elevou grandemente o estatuto da já nobre profissão de polícia sinaleiro, usando os gestos do controlo do trânsito para pôr a população deste planeta a tremer tão massivamente os seus tecidos adiposos que só me espanta os fabricantes de gelatina não terem usado a ideia para uma campanha publicitária. Se bem se lembram, a canção era interpretada por um duo de senhores com pinta de angariadores de seguros na reforma, daqueles que ao fim do dia se sentam na marisqueira a devorar gambas e imperiais, os decrépitos Los del Río. Poderia ainda referir dezenas de outros exemplos, como o Aserejé/The Ketchup Song das cordovesas Las Ketchup, mas vou-me abster de mais comentários, até porque as moças espanholas têm um ar simpático e já não têm mãos a medir com as acusações de - pasme-se - satanismo e invocação de forças malignas em Aserejé (a-ser-herege).
Tudo isto vem a (des)propósito dos Sukia, a banda que, não tendo sido uma one-hit wonder, tem um percurso que se aproxima muito da trajectória meteórica destas, motivo pelo qual me ocorreu a introdução deste texto. Os Sukia lançaram um primeiro álbum daquilo que prometia vir a ser uma interessantíssima carreira musical sob vários pontos de vista, mas acima de tudo com um experimentalismo singular que procurava fundir várias proveniências musicais e sonoras. Mas Contacto Espacial con el Tercer Sexo, afinal, não viria a ter sucessor e o quarteto formado por Sasha Fuentes, Ross Harris, Grace Marks, e Craig Borrell não mais voltaria a dar que falar deixando para além deste álbum, apenas mais dois singles retirados dele, Gary Super Macho (em CD e vinil 12'') e The Dream Machine (apenas em vinil 12'').
Os Sukia foram buscar o seu nome à vampira lésbica protagonista da série de banda-desenhada para adultos com o mesmo nome, e surgiram em Los Angeles, em 1996, no contexto da célebre cena musical de Silverlake, a mesma comunidade musical por onde se moviam Beck, os Beastie Boys ou os Dust Brothers (sendo estes últimos os produtores de Contacto Espacial...). Qualquer um dos quatro elementos principais do colectivo se aventura por distintos instrumentos, e esta facilidade multi-instrumental ajuda a configurar o ecléctico mosaico que forma a música dos Sukia. E quando se fala em instrumentos, é necessário encarar a palavra no seu sentido mais lato, pois as fontes sonoras estendem-se por uma vasta colecção de sons encontrados (como transmissões da NASA ou discos de hipnose) que é conjugada com vocalizações ora ritmadas, ora fantasmagóricas, assentes sobre uma colagem pairante de teclados (onde o moog domina), caixas de ritmos primitivas ou sopros que nos remetem para estéticas mais orquestrais, entre outras sonoridades.
O ambiente criado é, portanto, multi-facetado, e encontramos elementos que oscilam entre o glamour nostálgico da space age pop e da exotica, misturados com o som lo-fi dos equipamentos e samples retro, e características que remetem mais para um lounge de vanguarda futurista. Tudo isto contribui para uma recriação instrumental fascinante e cuja estranheza inicial se transforma rapidamente numa atracção ao mesmo hipnotizante e alienante, carregada também de um sentido de humor necessário à confirmação de um carácter mais lúdico e despretensioso.
Com um resultado tão atraente e uma crítica extremamente positiva na recepção do álbum, seria, pois, de esperar uma continuação do projecto, mas entretanto passaram dez anos e... nada, nem um sinal! Sukia, onde estão vocês?
Let me give you two examples, coincidently both from 1993: who doesn’t remember (unfortunately, memory is only lost for things that do matter) What’s Up? by those creatures with gigantic shapeless hats hiding hair that looked like they hadn’t seen a drop of shampoo since Copernicus discovered the heliocentric theory, the 4-Non Blondes; or the Macarena, the success that significantly brightened the meaning of the noble job of traffic policeman, by using traffic control gestures to put this planet’s population shaking their adipose tissue so massively that I’m amazed by the fact that jelly manufacturers haven’t used the idea for an advertising campaign. If you remember well, the song was interpreted by a duo of gentlemen who looked like retired insurance policy sellers, the kind that sit at the local pub in the evening stuffing themselves to oblivion with crisps and pints, the decrepit Los del Río. I could still mention dozens of other examples, such as Las Ketchup’s The Ketchup Song/Aserejé, but I’ll refrain from further comments, mostly because the Spanish girls actually look nice and already have a handful of problems with the accusations of – imagine – Satanism and summoning of malign forces in Aserejé (a-ser-herege = let’s be heretic).
All this talk is (not) related to Sukia, the band that hasn’t been a one-hit wonder, but has had a course very similar to this kind of meteoric trajectory, and ultimately that’s why the introduction above emerged. Sukia released the first album of what seemed to be the promise of a very interesting musical career under several points of view but, above all, with a unique experimentalism that sought to merge different music and sound sources. But Contacto Espacial con el Tercer Sexo, after all, didn’t have a sequel and the quartet formed by Sasha Fuentes, Ross Harris, Grace Marks, and Craig Borrell would no more be spoken about leaving, besides this album, only two other singles drawn from it, Gary Super Macho (in CD and 12'' vinyl) and The Dream Machine (only in 12'' vinyl).
Sukia borrowed their name from the lesbian vampire character in the adult comic book series with the same name, and they came out in Los Angeles, in 1996, amidst the famous Silverlake musical scene, the very same musical community where Beck, the Beastie Boys or the Dust Brothers dwelled (these latter were the producers of Contacto Espacial...). Any of the four main elements in the band feels comfortable with different instruments, and this multi-instrumental ease helps configure the eclectic pattern that makes up Sukia’s music. And when you talk about instruments, you have to use the word in its broadest sense, for Sukia’s sound sources stretch through a vast collection of found sounds (such as NASA transmissions or records on hypnosis) which are put together with vocals sometimes rhythmic, sometimes eerie, set on a floating collage of keyboards (where the moog dominates), primitive drum boxes or brasses that take you to more orchestral aesthetics, among other sounds.
The created ambience is thus varied and you can find elements that oscillate between the nostalgic glamour of space age pop and exotica, mixed with the lo-fi sound of retro equipment and samples, and qualities that take you to a lounge of futuristic avant-garde. All this contributes to a fascinating instrumental recreation that causes an initial awkwardness that is quickly transformed into an attraction at the same time mesmerising and alienating, also loaded with a sense of humour which is needed to confirm a more playful and unpretentious character.
With such an attractive result and extremely positive reviews in the reception of the album, one would therefore expect a sequel of the project, but in the meantime ten years have passed and... nothing, not even a sign! Sukia, where are you?
The only thing we have left is to enjoy the suggestive illustration of some of the comic book covers that inspired the band’s name... (see above)
No comments:
Post a Comment